Senhor Presidente,
Solicito a Vossa Excelência que envie a presente Representaçãoao Governador de Minas Gerais Romeu Zema Neto, com cópia ao Secretario de Estado de Cultura e Turismo Marcelo Mate, ao Presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Agostinho Patrus Filho, ao Conselho Estadual de Política Cultural – CONSEC e ao Conselho Estadual do Patrimônio e Cultura de Minas Gerais – CONEP.
Afim de, em nome da comunidade de Ouro Preto, representados pela Câmara Municipal, externar a preocupação e o desagravo com a decisão do governo de Minas Gerais de extinguir a emissora AM da Rádio Inconfidência que durante 82 anos faz parte da vida das pessoas neste Estado.
Após o conhecimento desta infeliz notícia, ouvintes da rádio (radialistas, professores, pessoas do meio rural e membros da comunidade em geral), reuniram-se e, em concordância, consideraram que o fim da emissora seria desastroso para a cultura de Minas Gerais e do Brasil.
Como disse o senhor Ricardo Parreiras, que está na emissora desde 1948, o rádio é o mais poderoso meio de comunicação do Estado de Minas Gerais com o interior do Estado e com todo o país, e nós gostaríamos de referendar esta fala, demonstrando que é o rádio em ondas curtas e médias que ainda chega onde a internet não é capaz de chegar, nas fazendas, nas pequenas localidades e também nas cidades médias do interior, onde esse veículo ainda tem grande utilidade e número ouvintes. São vários os depoimentos por aqui em Ouro Preto (que poderíamos enviar, se for o caso) de pessoas que estão muito preocupadas com o fim deste canal de interlocução, papel que faz as rádios públicas.
É função, sim, do Estado estabelecer um canal que permita que as pessoas conversem, através dos meios de comunicação. Não compactuamos com a premissa que a função do Estado seja mínima neste sentindo, por que a comunicação pública é um direito civil dos cidadãos e deve ser constituída de maneira democrática e plural, como tem sido na Rádio Inconfidência nos últimos anos.
Por este motivo, o objetivo desta representação é sensibilizar o governo de Minas Gerais e mostrar toda a nossa preocupação com o fim da emissora.
A Rádio Inconfidência é Patrimônio dos Mineiros. Ela não pode estar ligada a nenhum partido, a nenhum governo. Ela é do povo de Minas Gerais e deve permanecer desta forma. O Conselho Estadual do Patrimônio e Cultura de Minas Gerais (CONEP) recentemente abriu um processo para o tombamento da emissora como patrimônio histórico, tamanha é a sua importância para a memória do país, assim como para a cultura brasileira.
A importância Histórica da emissora
A Rádio Inconfidência nasceu em Minas em 1936 (em um momento em que eram poucas as rádios no estado e também no Brasil), pelo governador Benedito Valadares e por Israel Pinheiro. Logo depois foi criado aquele que é o mais antigo programa no Brasil que ainda permanece no ar, o “A Hora do fazendeiro.” Poderíamos dizer sobre a importância de João Anatólio Lima e de seu filho Jairo Anatólio Lima para a história do rádio mineiro. Mas não vale a pena começar a dizer dos vários intelectuais e artistas que passaram por esta rádio, porque iríamos estender demasiadamente a nossa carta. Somente para citar alguns exemplos, poderíamos falar de Murilo Rubião ou de artistas como Clara Nunes e muitos outros.
A Rádio Inconfidência foi a primeira emissora em que uma mulher narrou um jogo de futebol e, em decorrência dessa inovação, Isabelly Morais narrou um jogo da seleção brasileira na copa do mundo pela primeira vez, marcando para sempre seu nome e o nome da rádio na história do Brasil por ter sido a primeira mulher a realizar esse feito.Durante a sua história, a Rádio Inconfidência transmitiu, desde a década de 40, as comemorações das Semanas Santas de Ouro Preto e São João Del Rei, o que nenhuma outra emissora fazia; desta maneira a rádio Inconfidência fez a cerimônia religiosa se tornar um evento conhecido internacionalmente. A rádio também organizou e transmitiu a cerimônia de transferência dos restos mortais dos Inconfidentes para a cidade de Ouro Preto, evento que colocou a cidade de Ouro Preto em evidência no país. São muitos os exemplos na história.
A Rádio inconfidência foi e é, durante toda a sua trajetória, responsável pela comunicação entre os mais de oitocentos municípios de Minas Gerais. Nasceu para este propósito na verdade. Não estamos falando apenas da comunicação oficial, mas também da fala cotidiana das pessoas, das conversas geradas através das cartas que chegam ao programa “A Hora do Fazendeiro” e outros. Ela sempre foi uma rádio conversacional e aberta. Papel semelhante faz a Rádio Nacional da Amazônia, que também é pública.Durante a década de 1970 a emissora cumpriu importante papel educativo, outra função a que foi destinada desde o início da emissora em 1936.
A Brasileiríssima, a emissora FM do grupo nascida em 1979 escolheu ser uma rádio de resistência à invasão da música estrangeira, só tocando, até hoje, música brasileira. Isto só foi possível por que a emissora é estatal e com uma enorme vontade de ser pública.
A Brasileiríssima, por exemplo, revelou muita gente boa aqui em Minas. Toda a geração dos anos de 1980, por exemplo, a que veio depois do Clube da Esquina, passou pela rádio. A Rádio Inconfidência abriga várias minorias, vários movimentos culturais e sociais, como nenhuma outra no país atualmente. Ela sempre aceitou artistas novos e deu espaço para que estes mostrassem o seu trabalho.
As duas emissoras cumprem papéis diferenciados. As frequências hoje da emissora são as seguintes: 800 Khz AM(ZLY 275); OC 6010 Khz(ZLE 521); e também OC 15190 Khz (ZLE 522), além da FM na frequência de 100,9.
A Brasileiríssima, a FM, tem a função de fomentar a cultura em Minas Gerais, nas suas variadas formas. Tem música clássica, mas também tem a música caipira e a cultura popular do estado em sua programação. Ela abrange o que outras emissoras não fazem e isto é a sua função, ser diferente e chegar onde outras emissoras não vão, já que estão atreladas às leis do mercado cultural.
A Gigante do ar, a emissora que hoje está em Amplitude Modulada (Am), é uma rádio de serviços, também muito importante por informar e por dar espaço a vários grupos da sociedade. Na AM trabalham importantes comunicadores de Minas Gerais. Só na Inconfidência seria possível ter Ricardo Parreiras que apresenta hoje dois programas na emissora.
Durante a sua trajetória, desmandos na emissora fizeram a rádio diminuir o seu tamanho e importância, mas há alguns anos, ela vinha se reerguendo e se transformando novamente em um centro aglutinador da cultura mineira, função que sempre foi sua.
A migração
O DECRETO Nº 8.139, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2013, assinado pela então Presidenta Dilma Roussef, determina as condições para extinção do serviço de radiodifusão sonora em ondas médias de caráter local, sobre a adaptação das outorgas vigentes para execução deste serviço e dá outras providências”. No entendimento de parte das pessoas que a analisaram dizem que ela não determina o fim das emissoras em AM.[1] Mas o que todos esperávamos era que a Inconfidência migrasse para a FM e mantivesse a sua programação tanto em FM, quanto em ondas curtas, que a lei não atinge por se tratar de ondas médias
O que prevê a lei é a extensão do dial da FM para incorporar a migração de uma tecnologia para a outra e não o fim das emissoras.
O que prevê a lei?
"A migração não é obrigatória e as rádios AM que tiverem abrangência local poderão adaptar suas outorgas para abrangência regional, aumentando assim a captação do seu sinal."
Do ponto de vista classificatório, vejamos então o que diz o site “tudosobrerádio[2]” sobre o assunto:
“O serviço de rádios AMs continuará existindo no Brasil. As estações que não solicitaram a migração para o FM poderão continuar no ar em AM. O que será extinto é a categoria de AM local, ou seja, as estações de baixa potência. Das locais que operam em AM e não desejam ir para o FM, deverão migrar para outras categorias de operação na faixa AM (regional e nacional). Das 1781 emissoras locais que atuam na faixa AM, 1300 pediram a migração para a FM.”
O argumento para extinguir a emissora de AM não se sustenta, portanto, em função da lei. É uma decisão política do governo que iremos guardar para sempre na nossa memória, cada vez que lembrarmos desta histórica emissora.
Um outro argumento utilizado é que o estado não tem a função de gerir uma emissora de rádio. Quem diz que não? O estado tem sim a função de difundir o patrimônio cultural, tem a função de alimentar as redes culturais e os artistas mineiros. A BBC é considerada uma das melhores rádios do mundo justamente por cumprir o seu papel público.
A Constituição garante a função social da concessão pública de radiodifusão. Esta não pode estar somente à mercê das leis do mercado e deve sim ser regulamentada pelo Estado, na promoção do bem estar social do conjunto da sociedade. A AM tem grande abrangência, muito maior do que a tecnologia FM e tem um propósito social importantíssimo, além de ser um direito civil básico, o da livre informação. A rádio Inconfidência cumpre este papel hoje, o de ser um canal de cidadania ativa que não pode ser perdido.
Portanto, a Inconfidência tem a função de abrir espaço para grupos diferentes e alimentar a economia cultural. Somente uma rádio pública abre espaço para a música clássica e para a música instrumental, a não ser em raríssimos casos como era o da Guarani, que hoje está nas mãos de grupos religiosos. As rádios comerciais realmente não tem esta pretensão porque dependem das leis do mercado.
O mercado não é sensível com a cultura e se prende uma mercadoria fácil e vendável. Não é por acaso que estamos vivendo uma monocultura no mercado cultural brasileiro. Então, quem vai promover as conversas entre a grande variedade cultural que tem em Minas Gerais e que fogem desta lógica?
Então perguntamos ao governador de Minas e à Secretaria de Cultura: Se vão unificar a rádio, encolhendo-a, o que vão escolher para ficar? O que querem dizer quando dizem que a emissora tem que ser autossustentável, sob ameaça de que, se não o fizer, em dois anos, a FM terá também o mesmo destino da AM? Querem que a Inconfidência tenha a mesma lógica das emissoras comerciais? Ela não servirá para isso nunca. Ela tem uma função social e pública que não pode ser substituída.
Por outro lado, uma outra pergunta importantíssima. O que vão fazer com as transmissões em Ondas Curtas, que chegam ao mundo inteiro e que nos faz mais próximos da capital, nós que somos do interior de Minas Gerais?
A Inconfidência é parte de Minas Gerais, parte da vida de nossos pais, avós e avôs. Ela conversa com a sociedade desde 1936 e é um patrimônio dos mineiros. Não pode acabar. Não pode. Esperamos então que o governo entenda esta importância e volte atrás nesta estapafúrdia decisão.