O povo do Município de Ouro Preto, por seus representantes, decretou, e eu, em seu nome, promulgo a seguinte lei:
Art. 1° - A Lei dispõe sobre o direito ao uso do nome social por travestis e transexuais, na administração direta e indireta do município de Ouro Preto:
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se nome social a designação escolhida pela qual a pessoa transgênero se identifica e é socialmente reconhecida.
Art. 2º - Fica assegurado as travestis e transexuais, mediante requerimento, o direito de ser reconhecido com o nome social pela qual se afirma nos atos e procedimentos da Administração Direta e Indireta Municipal.
§1º. As pessoas travestis e homens e mulheres transexuais poderão a qualquer momento demandar a inclusão do nome social nos registros dos sistemas de informação, formulários, prontuários, cadastro, fichas, requerimentos e análogos.
Art. 3º - Deverá constar com visibilidade o nome social em todos os sistemas de informação, programas, formulários, cadastros, fichas, prontuários, projetos, requerimentos, ações, serviços e semelhantes da Administração Pública Municipal, acompanhado do nome civil, para eventual utilização em fins internos administrativos, quando for estritamente necessário.
§1º. A utilização do nome social ocorrerá em casos extremamente necessários, e deverá constar entre parênteses, assegurado destaque ao nome social.
§2º. É resguardado a entidade ou órgão da administração pública direta ou indireta a utilização do nome civil da travesti ou transexual, sempre acompanhado do nome social, em caso de necessidade para o atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
Art. 4º - Deverão os servidores públicos utilizar do nome social em destaque, que identificado pela pessoa ou constado dos atos inscritos, a fim de que o reconhecimento da travesti e transexual seja resguardado a sua autodeterminação, e prezando pela obsolescência do nome civil.
§1º. É vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoa travesti ou transexual.
§2º. Compete a administração pública direta e indireta a capacitação de seus servidores para o cumprimento desta lei.
Art. 5º - O descumprimento desta lei está sujeito às penalidades previstas na Lei Estadual 14.170/2002, sem prejuízo das demais sanções existentes.
Art. 6º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Consagrado no Art. 1º da Constituição da República de 1988, a dignidade da pessoa humana é considerado um princípio constitucional e localizado no inciso III do artigo, conjuntamente com os objetivos fundamentais da república o Art. 3º, inciso IV, CR/88 tem como finalidade a promoção do bem de todos erradicando os preconceitos e formas de discriminação, e por este motivo o reconhecimento de travestis e transexuais garantido pelo direito ao uso do nome social se faz necessário na luta para que a dignidade dessas pessoas em se afirmar de acordo com a identidade subjetiva a qual ela se reconhece, em vista de diminuir os preconceitos e discriminações por conta do gênero.
A inclusão de direitos identitários acerca da transgeneridade, como o direito ao uso do nome é conquista recente, considerando que em 2018 o CNJ reconheceu o direito por meio da Resolução Nº 270, uma conquista em vista de que de acordo com dados levantados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) em que expõem o Brasil como o pais que mais mata transgêneros no mundo¹, e por este motivo o estado não pode se manter inerte inviabilizando as conquistas desse grupo de pessoas que sofrem constantemente com as violências por conta de preconceito, por isso o direito de uso ao nome social se torna fonte de combate a discriminações arbitrarias contra transgêneros e garantir tenham o reconhecimento de se determinar de acordo com a identidade que for de sua vontade.
O direito é uma conquista mínima perto da grande carga de ódio movido pelo machismo exacerbado, e fascismo iminente a qual a população LGBTI+ sofre constantemente como alvos da diferença por não se encaixarem na heteronormatividade, e beirando a doença como era até 1990 em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o "homossexualismo" da sua lista internacional de doenças, a fim de que este grupo amplie o seu rol de direitos e percam o caráter desviante pela não heterossexualidade. Assim consiste em dizer que o direito tem de estar sempre se atualizando, e a conquista de direitos por grupos invisibilizados e silenciados ajudam a retirar das sombras pessoas colocadas nessa situação, o reconhecimento do nome social assim colabora com a inovação pela qual as leis passam a fim de viabilizar que o direito chegue a todos, dando a cada um o que é seu, e assim concretizando que a justiça seja observada, mesmo que com conquistas mínimas, mas que representam muito para os abrangidos.
O reconhecimento do direito em pauta é localizado por meio do decreto 8.727/16, contudo a lei abrange as legislações estaduais, carecendo de proteção a nível municipal, e por isso se faz mister que a cidade de Ouro Preto se faça de acordo com os dispositivos de hierarquia superior. Em vista de cumprir com a autonomia política-administrativa estabelecida na Lei Orgânica do Município de Ouro Preto, coadunando o Art. 3º, inciso III da mesma lei, o direito de uso do nome social vem como forma de propiciar aos seus habitantes a dignidade que eles tem como direito.
Assim, a fim de reafirmar a diversidade como pilar de uma sociedade democrática, igualitária e justa o legislador deve reconhecer quando a desigualdade assola grupos nesta mesma sociedade, e como já advertia Boaventura de Sousa Santos:
"...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades".²
Por isso o direito de uso ao nome social na administração pública direta e indireta municipal é uma necessidade que reconhece as diferenças, afirma a diversidade e iguala as travestis e transexuais a nível de identidade subjetiva e propicia condições dignas de existência por meio da diferença, e condiz com a expectativa de tornar a cidade de Ouro Preto um lugar mais plural, em garantir novos direitos a população LGBTI+ que residam ou venham a residir aqui. Desta forma, peço apoio dos demais vereadores da nobre casa legislativa para reconhecer esta lei.
²Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 / Bruna G. Benevides, Sayonara Naider Bonfim Nogueira (Orgs). - São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021 136p. (Link: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf).
²Santos, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: P.56.